ESCRITO POR MARCUS BOEIRA | 12 ABRIL 2011
A existência de um órgão acima das disputas político-partidárias poderia ser um bom caminho para o desenvolvimento político e institucional de nosso sistema político.
Sabe-se que, diferentemente dos Estados Unidos, em que a separação tripartite dos Poderes representa um arranjo adequado de instituições para a sociedade americana, fortemente consensual em sentido social, o Brasil adentrou na era da axiologia constitucional sem um projeto coerente e racional de instituições políticas. Para a realidade americana, a tripartição de poderes aparece como um modelo de consagração histórica, existente desde a fundação do país e que, por isso, mostra-se extremamente adequado à realidade norte-americana, firmemente sustentada em princípios tais como o common law e o self-government, próprios da cultura anglo-saxônica.
O self-government, enquanto princípio, refere que a sociedade americana é uma sociedade formada da base para o topo, isto é, uma sociedade que precede a formação do Estado, razão pela qual é uma sociedade fortemente detentora da capacitação para empreender projetos políticos e sociais a partir de si mesma, sem a necessidade de uma intervenção massiva do governo. Desta maneira, a tripartição de poderes, nos Estados Unidos, representa um modelo acidental de instituições políticas, uma vez que a maior parcela de poder é concentrada na própria sociedade e esta, organizada na base, possui condições sociais e políticas suficientes para controlar os poderes políticos, equilibrando-os.
A democracia social americana, de que falou TOCQUEVILLE, representa um modelo político em que o monopólio da legitimidade de poder e de controle não se situa dentre os poderes, mas na própria base social. A sociedade, assim, possui condições de controlar o poder e, ao assim proceder, vivenciar na prática a democracia constitucional. Em um certo sentido, é apropriado dizer que nos Estado Unidos, a sociedade, e não o Estado, é o verdadeiro centro de poder. Tanto é, que ROBERT DAHL chama tal sistema de Poliarquia.
Este forte caráter de autogoverno presente na sociedade americana é devido ao processo histórico que resultou na revolução americana, verdadeira fundação do país. A América foi formada por um processo de emigração de famílias inglesas que se organizaram socialmente, em comunidades coloniais. Os Estados Unidos não conheceram um passado feudal, o que afastou o país das heranças baseadas nos ideários sociais de estratificação e sustentação tradicional do poder. Por estas razões, o consenso na América não é um atributo das instituições políticas, mas uma função desempenhada pela própria sociedade americana que, por meio do consenso social e do alto grau de poder que concentra e controla efetivamente o poder político (poliarquia).
Sobre isto, CEZAR SALDANHA SOUZA JUNIOR demonstra que "nos Estados Unidos, a fonte sócio-política do poder está no povo, na comunidade. Lá a afirmação de que 'o poder emana do povo' não soa como simples princípio jurídico, um 'dever-ser' inscrito na Constituição, mas corresponde ao que foi, na realidade histórica, a formação americana. Conseqüentemente, o povo é politicamente forte em relação ao poder estatal que ele próprio criou".
Tais características da sociedade política americana são diametralmente diferentes da realidade brasileira. A formação de nossa sociedade ocorreu de modo distinto daquele sucedido entre os norte-americanos. No entanto, a partir de 1891, com a adoção do modelo republicano em território brasileiro, transportamos para nossa realidade as instituições consagradas nos Estados Unidos.
Tais instituições, em sua gênese, consistiam em dois pontos: primeiro, na adoção de um presidencialismo de estirpe norte-americana, em que as funções de chefia de estado e chefia de governo passariam, de imediato, a ser compreendidas em uma mesma pessoa que, ocupando o poder executivo (a presidência da república), exerceria duas funções distintas: a função de Estado e a função de Governo; o segundo ponto seria a transplantação de um arranjo tripartite de poderes, em que Executivo, Legislativo e Judiciário estariam em posições eqüidistantes e eqüipotentes, sem a presença de um poder acima destes para estabelecer o equilíbrio e a manutenção moderadora da integridade política.